Seguindo a tendência do mundo moderno e das novidades tecnológicas, o crowdfunding é hoje uma realidade no contexto eleitoral brasileiro. Esse termo se refere ao financiamento de uma iniciativa ou projeto a partir da colaboração de um grupo de pessoas, ou seja, um financiamento coletivo. Efetivamente, o crowdfunding segue a mesma dinâmica da famosa “vaquinha”, com o diferencial de que hoje é potencializado através da internet. Esse diferencial faz com que a “vaquinha virtual” tenha grande amplitude e maior rendimento, visto que extrapola os limites geográficos, podendo atingir toda a sociedade.
Cabe destacarmos que o termo crowdfunding foi criado em 2006, apesar de já existirem iniciativas nos mesmos moldes desde o final da década de 1990. Em 2011, surgiu a primeira plataforma colaborativa no Brasil e, por meio da Lei n.º 13.488 (outubro de 2017) e da Resolução n.º 23.553 (dezembro de 2017) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), essa forma de financiamento foi aprovada e regulamentada para ser utilizada nas eleições de 2018.
Essa modalidade de financiamento coletivo parece tornar-se ainda mais atrativa tendo em vista as recentes mudanças ocorridas no contexto político brasileiro. Entre essas mudanças, podemos citar a proibição da participação de empresas no financiamento de campanhas eleitorais e a redução e fixação do teto de gastos para as campanhas políticas, de acordo com cada cargo a ser pleiteado. Essas alterações podem significar passos importantes rumo à limitação da influência do poder econômico e do jogo de interesses no processo político.
A “vaquinha virtual” começou a ser divulgada pelos candidatos a partir do dia 15 de maio. Em síntese, vale destacar algumas regras: as instituições arrecadadoras devem estar cadastradas na Justiça Eleitoral e a identificação dos doadores é obrigatória; o valor das doações pode variar entre R$30 e R$1.064,10, e elas podem ser feitas por débito, crédito ou boleto bancário; o limite diário para doação é de R$1.064,10, sendo que valores acima desse montante deverão ser doados através de transferência bancária, sem intermediários. É importante lembrar que as pessoas físicas podem doar até 10% do valor do seu rendimento bruto no ano anterior à eleição. Valores acima do estipulado podem gerar multa ao doador no valor de até 100% da quantia em excesso.
A promessa é de segurança e transparência nesse tipo de financiamento, já que o sistema é interligado à Justiça Eleitoral e envia informações referentes às doações em tempo real. As empresas devem emitir, obrigatoriamente, comprovante ao doador, e suas informações podem ser facilmente acessadas pelo Poder Judiciário. Essas características visam, também, facilitar a prestação de contas dos candidatos.
Vale mencionar que as doações só chegarão, de fato, às campanhas a partir de agosto, mediante a candidatura aprovada. No caso de não ser efetivada a candidatura, as empresas deverão devolver os valores arrecadados aos doadores conforme o estabelecido. Como são cobradas taxas administrativas pelas empresas, o processo de devolução deve ser acordado entre a entidade arrecadadora e o pré-candidato, já que não existe nada em vigor sobre como se dará esse processo. Atualmente, são 44 empresas cadastradas e aprovadas no TSE.
As expectativas parecem ser positivas acerca desse possível aumento da participação de pessoas físicas no financiamento das campanhas eleitorais. No entanto, além das resistências naturais que existem em relação a qualquer processo de mudança, um desafio adicional será o de reduzir a aversão de uma parcela da população em relação à política e, principalmente, aos políticos. A sequência (ainda em andamento) de escândalos envolvendo corrupção trouxe a tiracolo sentimentos de indignação e desesperança.
Mantendo o lado otimista, as plataformas colaborativas podem trazer novos ares ao período eleitoral brasileiro. O fato de o eleitor fazer sua doação a um candidato específico pode contribuir para o despertar de atitudes, como engajamento, comprometimento e ética de ambos os lados. Além disso, o passo da doação é precedido de informações e esclarecimentos. Tendo por base as informações disponíveis, seus ideais e referências ideológicas, o eleitor provavelmente antecipa a sua decisão de voto. Esse é um fenômeno que já vem acontecendo em outros países, como, por exemplo, Estados Unidos, Espanha e Inglaterra.
Explorando os pontos críticos, a forma como o sistema dessa modalidade é constituído nos leva a fazer alguns alertas importantes. Essa forma de financiamento apresenta brechas que podem permitir a doação em nome de terceiros e, assim, abrir caminho para a lavagem de dinheiro. Uma vez que é evidente a dificuldade em rastrear uma grande quantidade de doações, analisar o perfil dos doadores e verificar se o recurso doado tem fonte lícita, o crowdfunding pode ser amplamente visado para fins ilegais.
Outros pontos que despertam preocupação se referem ao limite diário de doações e ao número de pré-candidatos. A matéria “Partidos tentam tornar mais flexível regra para vaquinhas pela internet”, publicada na Folha de São Paulo, no dia 12 de junho, traz alguns tópicos intrigantes. Se as estimativas apontam que a média diária de doações é de cerca de R$100,00, como se justifica o pedido de alguns partidos para aumentar ou banir o limite diário de R$1.064,10? É inevitável questionar as aparentes intenções envolvidas. Ademais, o propósito do financiamento coletivo é justamente arrecadar pequenos valores de um grande número de pessoas.
Quanto ao número de pré-candidatos, uma estratégia que pode ser utilizada pelos partidos políticos para alavancarem as arrecadações é aumentar o número de seus pré-candidatos. Vale mencionar que, para as vagas de deputados, os partidos podem indicar até 150% de candidatos em relação ao número de vagas, enquanto as coligações podem indicar até 200%.
O balanço das eleições municipais de 2016 apresentado pelo TSE, baseado no relatório do TCU, corrobora esse sentimento de desconfiança. Essas, que foram as primeiras eleições sob a nova lei de proibição de financiamento de empresas às campanhas, apresentaram mais de 259 mil indícios de irregularidade nas doações de pessoas físicas. O valor estimado dessas doações irregulares chega a R$1 bilhão. Entre os casos inusitados, estão doadores de altas quantias cadastrados no Programa Bolsa Família e um número relevante de doadores falecidos.
Portanto, um dos maiores desafios será mitigar fraudes. Essa novidade deverá ser cuidadosamente avaliada para que não contribua justamente com o que se propõe a combater. Um histórico completo e rigoroso do doador ou mesmo uma ferramenta de verificação instantânea – no ato da doação – talvez possam ser úteis na minimização dessas possíveis transgressões. De qualquer forma, a partir dessa primeira experiência a ser concretizada nas eleições que se aproximam, será possível averiguar a eficácia dessa ferramenta no contexto brasileiro.