Nova proposta de parcelamento especial de tributos surge como alternativa de alívio para as empresas na crise, mas gera reação dos técnicos do Fisco. Decisão sobre o tema deve ser apreciada no Congresso até o final do ano
O prolongado período de recessão tem levado gestores públicos e privados a situações limite. Com recursos insuficientes, secretários estaduais de Fazenda precisam decidir entre atrasar salários de servidores ou interromper serviços públicos, enquanto empresários em dificuldades são confrontados com a decisão de honrar funcionários, dívidas bancárias ou os impostos. No setor privado, a escolha de Sofia pela sobrevivência pende sempre para o pagamento de débitos que podem comprometer mais de imediato a geração de caixa, como fornecedores e concessionárias (água e luz), e deixa para trás itens como os tributos.
O passivo acumulado com o Fisco, porém, cobra a conta logo em seguida, porque impõe barreiras num dos documentos necessários para obter crédito, a certidão negativa, item essencial para conseguir recursos em bancos num ambiente adverso como o atual. Para evitar que o ciclo vicioso contribua para engordar o número recorde de companhias em situação pré-falimentar, entidades empresariais reivindicam um novo programa de parcelamento de tributos, o Refis. Uma proposta foi incluída recentemente num projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional e deve ser votada até o final do ano.
Técnicos da Receita Federal são contra e vêm fazendo campanha para explicar por que consideram a medida ineficaz. Nos bastidores, porém, a ala política do Executivo sinaliza com apoio à tramitação. Saciar o apetite do Leão em meio à queda do PIB ajudaria grupos com pendências a ter acesso a financiamentos e daria mais chances de sobrevida na crise. Segundo Alfredo Kaefer (PSL-RS), relator do projeto, em setores como o de máquinas e equipamentos, o índice de companhias que não conseguem comprovar que estão em dia com o Fisco chega a dois terços do total.
“A retomada do crescimento passa pela regularização das empresas”, afirma o deputado. “Se ela não consegue a certidão negativa, fica alijada de crédito e corre o risco de quebrar.” O problema atinge principalmente as empresas de menor porte. Dados do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), de agosto, mostram que quase 30% dos empresários não estão conseguindo pagar impostos, índice superior à média histórica de 20%. Cerca de 70% afirmam ter dificuldades para honrar os tributos. “Isso mostra que o grosso da crise não está no setor público, está no setor privado”, diz Joseph Couri, presidente do Simpi.
O novo parcelamento foi incluído no projeto sobre a regulamentação da venda de créditos da Dívida Ativa. O prazo é de 20 anos, com desconto em multas e encargos, e parcelas limitadas a 1% do faturamento. Para o deputado Kaefer, o Refis poderia ajudar ainda o governo a fazer caixa, com arrecadação extraordinária. A Receita Federal discorda. Segundo os técnicos, reiterados parcelamentos criaram uma cultura de postergação no pagamento de tributos e uma acomodação dos contribuintes na expectativa de novas iniciativas, com impactos na arrecadação corrente.
Em estudo recente, o Fisco contabilizou 27 parcelamentos especiais nos últimos 16 anos e mostrou que 20% dos grandes contribuintes participaram três vezes ou mais dos programas, com um alto índice de abandono – acima de 80% na maioria deles. “Os parcelamentos especiais não têm atingido o esperado: incrementar a arrecadação e promover a regularidade fiscal dos devedores”, afirma a Receita. Para o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, o Refis passa uma mensagem moralmente pouco defensável.
“Faz-se uma premiação para a inadimplência.” Empresários reconhecem a preocupação, mas reiteram que o momento é excepcional. “Se a economia estivesse em condições normais, entenderíamos, mas não é um argumento equilibrado face à crise atual”, diz Couri. O tema foi levado ao governo por entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI). O tamanho da dificuldade pode ser visto nas estatísticas recentes.
Em setembro, o número de pedidos de recuperação judicial alcançou o maior patamar da série histórica da Serasa Experian, com 244 requerimentos. No ano, já são 1.479 pedidos, alta de 62% em relação a igual período de 2015. Além da crise, outro argumento tem sido usado em favor do programa: a renegociação recente da União com os Estados. Para reduzir a resistência da Receita, foi incluído no projeto a figura do devedor solidário, uma espécie de fiador para os compromissos dos débitos. Não deve ser suficiente para convencer os técnicos, mas pode angariar apoio entre parlamentares e o presidente Temer.
Fonte: istoedinheiro